Panorama do Novo Testamento

biblia

INTRODUÇÃO AO SEGUNDO TESTAMENTO

  1. Ivan Pereira Guedes[1]

 

Prólogo

 

Há, certamente, vários métodos para efetuarmos um estudo da Bíblia, entre os quais temos:

  • Sintético — um estudo panorâmico da Bíblia, de modo a adquirirmos uma visão global da sua mensagem.[2]
  • Analítico — um estudo da Bíblia onde se analisa pericope por pericope a fim de se obter uma compreensão mais profunda do texto.[3]
  • Doutrinário ou Teológico — um estudo da Bíblia segundo seus muitos tópicos e doutrinas que estão explicitas ou implícitas em seus textos.[4]
  • Histórico — um estudo da Bíblia levando em consideração o seu contexto histórico.[5]

O sintético ou panorâmico atende adequadamente ao estudante iniciante. Através desta aproximação sintética, seremos  capazes de contemplarmos  a floresta inteira, de modo que mais tarde poderemos explora-la em toda as suas variedades e particularidades.

 

INTRODUÇÃO GERAL AO SEGUNDO TESTAMENTO

 

O Segundo Testamento é um registro de eventos históricos. Estes eventos estão centralizados na pessoa e obra de nosso Senhor Jesus Cristo — sua vida, morte, ressurreição, ascensão, e a continuação de sua obra no mundo — em que também consiste toda a estrutura e propósito do Antigo Testamento. Além disso, é o registro fidedigno da história sacra, que se distingui  nitidamente da história secular, pois cremos que foi escrita sob a orientação sobrenatural do Espírito Santo. Por esta razão tanto o Velho como o Segundo Testamento estão protegidos de erro humano e possui autoridade divina para igreja hoje e por todo a história humana até que o Senhor Jesus Cristo venha.

 

<!—->Origem e Significado do Termo “Segundo Testamento”[6]

 

Nossa Bíblia é dividida em duas seções que chamamos de Velho Testamento e o Segundo Testamento, mas qual a razão desta divisão? A palavra Grega para “testamento,” {diahgjg}(Latim, testamentum), significa “vontade, convênio, pacto ou aliança.” Mas em conexão com o contexto das Escrituras “Pacto ou Aliança” seria uma melhor tradução.  O termo Segundo Testamento, aponta para aquele novo relacionamento dentro do qual os homens podem ser recebidos por Deus. O Velho Testamento ou Pacto é primeiramente um registro da maneira como Deus se relacionou com os Israelitas, regido pelo Pacto estabelecido com Moisés no Monte Sinai. O Segundo Testamento ou Pacto (antecipado no Jeremias 31:31 e instituído pelo Senhor Jesus, 1 Cor. 11:25), descreve a nova base que Deus estabeleceu para se relacionar, não mais com Israel somente, mas com todos os homens, de toda tribo, língua e nação,  que foi ratificada em Cristo no Calvário.[7]

Os nomes Pactos Novo e Velho foram assim aplicados primeiro às duas formas com que Deus estabeleceu se relacionar com os homens, e então, aos livros que continham o registro destes dois relacionamentos. “O Segundo Testamento é o registro divino dos termos pelos quais Deus tem recebido nós rebeldes e inimigos dentro da sua paz.”[8] <!—->CONTEXTOCON

CONTEXTO DO SEGUNDO TESTAMENTO

 

No tempo do Segundo Testamento, Roma foi a força dominante do mundo  e controlava praticamente todo o mundo antigo. Mas em uma pequena cidade na Palestina, na pequena e quase imperceptível cidade de Belém da Judéia, nasceu um que haveria de mudar o mundo e destronar o grande César romano. E concernente a esta Pessoa o apostolo Paulo escreveu, “Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei,  (ou Velho Pacto).” (Gal.4:7). De forma extraordinariamente  maravilhosa e especial, Deus tinha preparado o mundo para a  vinda do Messias. Vários fatores contribuídos para esta preparação: [9]

  • Preparação Através da Nação Judaica

A preparação para a vinda de Cristo é a linha histórica que estabelece a unidade de todos os acontecimentos e da mensagem registrada no Velho Testamento. Os Judeus foram escolhidos por Deus de entre todas  as nações para ser um povo de exclusividade de Deus, um reino de sacerdotes, e uma nação santa (Ex. 1:5-6). A revelação deste propósito divino, inicia-se com as promessas de Deus dado aos patriarcas, Abraão, Isaque, e Jacó (Gen. 12:1-3; Rom. 9:4).  Deste modo, o povo israelita tornaram-se os curadores da Palavra de Deus (Velho Testamento [Rom. 3:2]), e o canal pelo haveria de vir o Redentor (Gen. 12:3; Rom. 9:5). O tema central do Velho Testamento, portanto, é Cristo, e aponta para  Sua vinda como aquele que através de seu sofrimento e glorificação, se constituiria no  Salvador e Senhor de seu povo. Além Disso, as profecias, ainda que não em grande quantidade, mas extremamente qualificativas, precisa com detalhes perfeitos: a linhagem Messiânica; o local de seu nascimento; as condições e particularidades da sua vida, morte, e até mesmo da sua  ressurreição.[10]

Embora Israel esteve desobediente e foi levada para o Cativeiro, como julgamento de Deus,  por causa da  dureza de seus corações, Ele contudo preservou e trouxe de volta, após setenta anos,  os remanescentes para sua terra natal, como Ele tinha prometido.  Tudo isto Deus fez para que se cumprisse o Seu propósito original de preparação para a  vinda do Messias. Embora quatrocentos anos tinham se passado  depois do registro do último livro de Velho Testamento, e embora o clima religioso fosse de um Farisaísmo  externo e hipócrita, havia um espírito de antecipação Messiânica no ar e os remanescentes fiéis aguardavam com ardente expectativa o Messias.[11]

 

  • Preparação Através da Língua Grega

Se reveste de grande importância e significado que quando Cristo, que seria o Salvador do mundo e  que haveria de enviar Seus discípulos até aos fins da terra para proclamar o Seu evangelho (Mat. 28:19-20), nasceu exatamente no tempo em que havia um idioma dominante no mundo. Isto foi o resultado das conquistas e aspirações de Alexandre o Grande, o filho de Filipe o Rei da Macedônia, que mais de 300 anos antes do nascimento de Cristo, havia varrido o mundo antigo conquistando uma nação depois outra. Seu desejo era um mundo e uma língua. No rastro de suas vitórias, ele estabeleceu a língua Grega como a língua comum, e a cultura Grega como o modelo de pensamento e vida. Embora seu império foi breve, o resultado de espalhar a língua Grega foi amplamente satisfatório.[12]

O ponto aqui é que Deus providencialmente foi preparando o mundo para uma língua comum e que se constituiu em um veículo incomparável de comunicação para proclamar com clareza  e precisão a mensagem do Salvador. Como resultado direto, os livros do Segundo Testamento foram escrito na língua comum do povo, o Grego Koinê. Ele não foi escrito no Hebraico ou Aramaico, ainda que todos os escritores do Segundo Testamento fossem Judeus, exceto Lucas, que era um Gentio. O Grego Koinê tinha tornado-se a segunda língua de quase todos.[13]

 

  • Preparação Através dos Romanos

Deus continua preparando o mundo para a vinda do  Salvador do mundo. Quando Cristo nasceu na Palestina, Roma dominava o mundo. A Palestina estava debaixo do domínio romano e sujeita às suas leis.  A guerra civil  mais longa e ensangüentada, da Romana tinha finalmente terminada com o reinado de Augustos César. Como resultado, Roma tinha ampliado vastamente seus limites. Além disso, os romanos construíram um sistema de estradas, que, com a proteção fornecida por seu exército, freqüentemente patrulhando as estradas, contribuiu para a intensificação do  fluxo de viajantes que cruzavam todo o império Romano. Augustos foi o primeiro Romano a usar o cetro imperial como o único governante do Império. Ele foi um moderado, sábio e tinha consideração pelos seus semelhantes, e ele trouxe um grande período de paz e prosperidade, fazendo de Roma um lugar seguro para se viver e viajar. Isto introduziu um período chamado “Pax Romana,” a Paz Roma (27 a.C.– d.C. 180)[14]. E por causa de tudo que Augusto realizou, dizia-se que quando ele nasceu, um deus nasceu. Foi neste contexto histórico que nasceu aquele que se constitui na duradoura e verdadeira fonte de paz pessoal e do mundo, em contrataste com a paz falsa e temporária que os homens podem produzir. Cristo é verdadeiramente Deus, o Deus-homem, ao invés de um homem chamado deus. A presença da ordem e lei Romana preparava o mundo para a Sua vinda e para a propagação de Seu evangelho.

Marcos 1:14-15. Ora, depois que João foi entregue, veio Jesus para a Galiléia pregando o Evangelho de Deus, e dizendo: O tempo está cumprido, e é chegado o reino de Deus.  Arrependei-vos, e crede no evangelho.

 

  • <!—->O Mundo Religioso no Tempo do Segundo Testamento

É necessário, antes de adentrar ao estudo do Segundo Testamento, adquirir-se uma visão geral do mundo religioso dos dias em que o Salvador entrou em cena e para o qual a igreja foi enviada a proclamar sua mensagem. Como se pode ver na citação de  Tenney, nota-se uma grande semelhança com os nossos dias de hoje. A mensagem do Salvador como revelado no Segundo Testamento é como respirar ar fresco depois de se estar asfixiado pela intensa poluição produzida por este mundo depravado.

“A igreja Cristã nasceu dentro um mundo cheio de religiões que apesar das muitas diferenças entre elas, possuíam uma característica comum – o esforço para alcançar um deus, um deus que permanecia essencialmente inacessível. À parte do Judaísmo, que ensinava que Deus tinha voluntariamente Se revelado aos patriarcas, a Moisés, e aos profetas, não havia religião que falasse com certeza da revelação divina nem de qualquer conceito verdadeiro de pecado e salvação. Os padrões éticos correntes eram superficiais, não obstante o ideal e visão possuída por alguns filósofos, e quando eles discursavam sobre o mau e bem, eles não apresentavam  nenhuma solução ou mesmo possibilidades de que um remédio pudesse ser encontrado.  Até mesmo no Judaísmo a verdade tinha estado obscurecida pela formação de uma crosta de tradições ou negligenciam … O paganismo e todas religiões à parte do conhecimento e fé da Palavra de Deus sempre produziu uma paródia e uma perversão da  revelação original de Deus ao homem. Isto retém muitos elementos básicos da verdade mas eles são distorcidos na prática. Soberania Divina torna-se fatalismo; graça torna-se indulgência; justiça torna-se conformidade com regras arbitrárias; adoração  torna-se ritual vazio; oração torna-se pedidos egoísta; os acontecimentos sobrenaturais tornam-se superstição. A luz de Deus é obscurecida  por lenda imaginária e por falsidade sincera. A conseqüente confusão de crenças e de valores desnorteava as pessoas que vagueavam por um labirinto de incertezas. Para alguns, a conveniência era a filosofia de vida predominante; como não há nenhuma certeza final, também não há  princípios permanentes  para balizar a conduta; e se não há princípios permanentes, cada um vivera ao sabor da  vantagem do momento. Prevalecia o ceticismo, os velhos deuses tinham perdido sua força e nenhum novo deus tinha aparecido. Cultos particulares e/ou familiares predominavam, utilizado superficialmente pêlos ricos, mas deixava o pobre em seu desespero. As pessoas tinham perdido completamente o prazer e o objetivo que torna a vida humana algo que vale a pena ser vivida.[15]

<!—->Composição e Arranjo do Segundo Testamento

O Segundo Testamento é composto de vinte e sete livros escritos por nove autores diferentes. Baseado em suas características literárias, eles estão freqüentemente classificado dentro de três grupos:

  1. O histórico (5 livros, os Evangelhos e Atos)
  2. O epistolar (21 livros, Romanos até Judas)
  3. O profético (um livro, Apocalipse).

Os dois gráficos abaixo ilustram a divisão e enfoca esta classificação tripla dos livros do Segundo Testamento.

 

RESUMO PANORÂMICO

Histórico  Os Evangelhos:Mateus, Marcos,    Lucas, João Manifestação:Registram a história da vinda do Salvador e Sua pessoa e obra.
AtosOs Atos do Espírito Sagrado através dos apóstolos Propagação:Proclamação da mensagem do Salvador que veio.
Epistolar Cartas:Correspondência para igrejas e indivíduos.

Romanos até  Judas

Explicação:Desenvolvendo o significado e  da pessoa e obra de Cristo e como isto deveria afetar o viver do Cristão no mundo.
Profético Apocalipse

A Revelação de Jesus

Cristo o Senhor

Consumação:Antecipando os eventos do fim dos tempos e a volta do Senhor, Seu reinado eterno , e o estado final dos salvos.

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A Ordem<!—->AA   dos Livros do Segundo Testamento

Como visto na classificação anterior, a ordem em que os livros do Segundo Testamento foram arranjados é lógica em vez de cronológica. Como Ryrie explica:

Primeiro vem os Evangelhos, que registram a vida de Cristo; então Atos, que dão a história da expansão do Cristianismo; então as epistolas, que mostram o desenvolvimento das doutrinas da igreja junto com seus problemas; e finalmente a visão da segunda vinda de Cristo no Apocalipse.[16]

Embora estudiosos da Bíblia diferem na data exata em que os livros do Segundo Testamento foram escritos, a ordem cronológica da elaboração dos livros pode aproximadamente ser como segue:

 

Livro Data (d.C. ) Livro Data (d.C. )
Tiago
Gálatas
1e 2 Tessalonicenses
Marcos
Mateus                   1 Coríntios
2 Coríntios
Romanos
Lucas
Atos
Colossenses, Efésios
45-49
4951
50s ou 60s
50s ou 60s
55
56
57-58
60
61
60-61

60-61

Filipenses   Filemom
1 Pedro
1 Timóteo
Tito
Hebreus
2 Pedro
2 Timóteo
Judas
João [evangelho]
1, 2, 3 João
Apocalipse
63
63-64
63-66
63-66
64-68
66
67
68-80
85-90
85-90
90-9595</TBODY>

 

<!—->A Canonicidade[17] dos Livros do Segundo Testamento

Originalmente, os livros do Segundo Testamento estiveram circulando separados e individualmente[18].  Gradualmente estes livros foram sendo colecionados para formar o que nós agora conhecemos como o Segundo Testamento, que vem a se constituir o cânon[19] da Sagrada Escritura. Pela providência de Deus, os vinte e sete livros do Segundo Testamento foram colocados à parte de muitos outros escritos durante os primórdios da igreja. Eles foram preservados para comporem o cânon do Segundo Testamento por causa de sua inspiração e autoridade apostólica. Ryrie tem um resumo excelente deste processo:

“Depois que eles foram escrito, os livros individuais não estiveram imediatamente juntados dentro do cânon, ou coleção dos vinte e sete que compreende o Segundo Testamento. As cartas de Paulo e os Evangelhos foram preservadas a princípio pelas igrejas ou pessoas para quem eles foram enviados, e gradualmente todos os vinte e sete livros foram colecionados e formalmente reconhecidos pela igreja como um inteiro. Este processo durou cerca de 350 anos. … Alguns critérios foram desenvolvidos para se determinar que livros deveriam ser incluídos. (1) Foi o livro escrito ou aprovado por um apóstolo? (2) Seu conteúdo tem uma natureza espiritual? (3) Há evidências da inspiração Divina? (4) Foi  amplamente aceito pelas igrejas?  Não  menos do que os vinte e sete livros foram reconhecidos como canônicos e aceitos por todo as igrejas nos séculos posteriores, mas neste processo alguns não foram aceitos imediatamente ou universalmente. … mas finalmente esses foram incluídos, e o cânon foi concluído no Conselho de Cartago em 397 d.C.  Embora nenhuma cópia original de qualquer dos escritos que compreende o Segundo Testamento tenha sobrevivido, existe mais de 4.500 manuscritos Gregos de todo ou estratos de texto, mais 8.000 manuscritos Latinos e ao menos 1.000 outras versões dos livros originais que foram traduzidos. Cuidadoso estudo e comparação destas muitas cópias têm nós fornecido um preciso e confiável Segundo Testamento.”[20]

 

Razões Para o Estabelecimento do Cânon

 

Já no segundo século a circulação de livros que ensinavam heresias multiplicou-se acentuando a necessidade de se distinguir Sagrada Escritura válida de outra literatura cristã.  Ao menos três razões podem ser destacadas para explicar esta urgente necessidade:

 

  • Havia uma necessidade eclesiástica interna e uma externa – a primeira se relaciona com a necessidade de se estabelecer quais os livros que deveria ser lidos na igreja, que de fato fundamentassem o ensino apostólico; a segunda esta ligada à expansão rápida alcançado pelo cristianismo, e quais os livros que deveriam ser traduzidos para estas línguas.
  • Uma segunda razão esta relacionada com a questão teológica – uma vez que o ensino da igreja deveria ser fundamentado nas Escrituras (II Tm 3:16,17), tornou-se indispensável definir os limites da genuína herança apostólica, visto que rapidamente surgiram falsos e heréticos ensinos dentro das igrejas.
  • Uma terceira razão é de cunho político – pois a disposição do império, agora regido por Diocleciano (c. 302-305) era totalmente inversa da de Constantino. Um edito imperial havia ordenado a destruição das Escrituras, de forma que a igreja precisava estabelecer com clareza quais seriam de fato os livros canônicos e que deveriam serem preservados.

 

Reconhecimento Progressivo dos Livros Canônicos <!—->

 

Desde o principio, dentro do processo inspirativo, preservou-se os livros que viriam a constituir o cânon neotestamentário.  Eles foram copiados e circulavam entre as igrejas primitivas.  A ausência da elaboração de uma lista oficial destes livros arrastou o processo de reconhecimento universal por vários séculos.

Há fortes indicativos de que desde muito cedo, ainda que de forma embrionária, começou-se a coligir os escritos apostólicos que pudessem ser autenticados.  Este trabalho incipiente constituiu-se na base onde se estruturou todo o processo canônico do Segundo Testamento, como muito bem coloca Norman Geisler:

“Assim, o processo de canonização desde o início da igreja estava em andamento. As primeiras igrejas foram exortadas a selecionar apenas os escritos apostólicos fidedignos. Desde que determinado livro fosse examinado e dado por autêntico, fosse pela assinatura, fosse pelo emissário apostólico, era lido na igreja e depois circulava entre os crentes de outras igrejas. As coletâneas desses escritos apostólicos começaram a tomar forma nos tempos dos apóstolos. Pelo final do século I, todos os 27 livros do Segundo Testamento haviam sido recebidos e reconhecidos pelas igrejas cristãs. O cânon estava completo, e todos os livros haviam sido reconhecidos pelos crentes de outros lugares. Por causa da multiplicidade dos falsos escritos e da falta de acesso imediato às condições relacionadas ao recebimento inicial de um livro, o debate a respeito do cânon prosseguiu durante vários séculos, até que a igreja universal finalmente reconheceu a canonicidade dos 27 livros do Segundo Testamento.”[21]

 

QUADRO DE EVIDÊNCIAS LITERÁRIAS (Anexo 1 )

 

 

A Amplitude do Cânon neotestamentário

 

Ainda dentro desta questão literária, podemos, de forma sucinta, elaborarmos uma classificação centrífuga, partindo dos canônicos, no que se refere à aceitação dos vários livros:

 

  • Livros Aceitos por Todos: são chamados também de “homologoumena” [ unanimemente, de acordo ] e se constitui daqueles livros do cânon que foram aceitos unanimemente, desde o início, sem objeções.  Em geral, dos 27 livros do NT, 20 são homologoumena.

 

  • Livros Questionados por Alguns: são os chamados “antilegomena” [ contradizer, falar contra; disputado, duvidoso ] que são justamente os 7 livros que completam o total do Cânon neotestamentário (Hebreus, Tiago, 2Pedro, 2 e 3João, Judas e Apocalipse). Não significa que eles não fossem aceitos como inspirados, mas por virem a serem conhecidos universalmente somente em um período posterior.  Todavia, eles foram autenticados desde o período apostólico e subapostólico, bem como pelos patristicos (conforme quadro acima).[22]

 

  • Livros Rejeitados por Todos: estes recebem também o nome de “pseudepígrafos” [escritos falsos ] e foram produzidos no transcorrer dos séculos II e III.  É uma literatura espúria e herética, totalmente comprometida com as idéias dos gnósticos, docéticos e ascéticos, sendo totalmente rejeitados e tendo sido classificados de “totalmente absurdos e ímpios” por Eusébio.  O numero exato destas obras não se sabe, porém já foram catalogados mais de 280 destas obras.[23]  O valor deste escritos são apenas históricos.

 

  • Livros Aceitos por Alguns: Estes são os chamados livros “apócrifos” [oculto, secreto ] e a diferença entre estes e os anteriormente mencionados é que alguns foram acolhido por alguns estudiosos do período patrístico.  Mas este reconhecimento nunca foi amplo ou permanente. Normam Geisler cita algumas razões pelas quais eles foram valorizados: [24]
  • revelam os ensinos da igreja do século II;
  • fornecem documentação da aceitação dos 27 livros canônicos do Segundo Testamento;
  • fornecem outras informações históricas a respeito da igreja primitiva, no que concerne à sua doutrina e liturgia.

 

Diante de todas estas informações, podemos afirma com toda convicção de que os 27 livros que compõem a nossa bíblia hoje, sempre foram autenticados desde os primórdios do cristianismo.  E aqueles que não fazem parte deste cânon nunca foram integralmente e/ou unanimemente aceitos universalmente desde o princípio.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[1] Formação Acadêmica: Mestre em Ciências da Religião (Univ. Mackenzie); Especialização em História do Cristianismo (Univ. Metodista Piracicaba); Bacharel em Teologia (Seminário Presbiteriano SP); Bacharel em Ciências Contábeis (Univ. Cruzeiro do Sul). Blog: http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/ e http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/

[2] “O vocábulo sintético se deriva da preposição grega ‘syn’, que significa – junto com, – e da raiz verbal ‘the’, que quer dizer – pôr – pelo que a reunião das duas partes significa ‘contiguidade’ ou ‘justaposição’. O método sintético ignora os detalhes e trata exclusivamente da interpretação de um documento como um todo.” MERRILL C. TENNEY – Gálatas: Escritura da Liberdade Cristã, Edições Vida Nova, São Paulo, 1967, p.25

[3] “O método analítico consiste em três estágios distintos: o esboço mecânico, que envolve a reescrituração do texto de forma a revelar sua estrutura gramatical; a formulação de um esboço que mostre, mediante raciocínio baseado na estrutura gramatical para depreender o sentido, como os pensamentos íntimos do texto estão relacionados entre si; e o registro de observações pessoais sobre o texto, assim analisado, a fim de encontrar tanto as verdades explicita como as verdades implícitas ali contidas.” MERRILL C. TENNEY, op. cit., p.204-205.

[4] “Essas verdades centrais aparecem em cada livro do Segundo Testamento, embora não sejam abordadas de modo patentemente sistemático. A comparação cuidadosa da fraseologia de qualquer livro isolado freqüentemente oferecerá um grupo representativo das principais premissas que sublinham seu ensino particular….  Existem três aspectos do método teológico que podem ser seguidos no estudo de qualquer livro da Bíblia: (1) a tentativa de definir as implicações que sublinham o ensino do livro; (2) a codificação de tópicos dos ensinamentos explícitos que são proeminentes no texto; e (3) o tratamento separado de qualquer seção do livro que possa ser predominantemente teológica em seu caráter.  A aplicação dos ensinos assim descobertos é a tarefa final do expositor.  MERRILL C. TENNEY, ibid., p.137-138.

[5] “Alusões a acontecimentos contemporâneos, a lugares, a tendências e movimentos, bem como a questões próprias da época em que a obra foi escrita, sempre devem ser explicadas a fim de iluminar claramente o pensamento expresso na obra.  Somente na medida em que o ensino de qualquer volume pode ser visto no contexto mais lato da situação que o produziu é que se pode obter uma verdadeira perspectiva de sua significação.” MERRILL C. TENNEY, ibid., p.116.

[6][6] Atualmente as academias tem preferido utilizar o termo: Segundo Testamento, para demonstrar a continuidade de pensamento com o Primeiro Testamento (AT ou VT).

[7]“O velho Pacto revela a santidade de Deus no padrão da justiça da lei e apontava para um Redentor próximo; o novo Pacto revela a santidade de Deus na justiça do Filho. O Segundo Testamento, então, registra e manifesta o conteúdo deste novo Pacto. … A mensagem do Segundo Testamento centraliza-se  (1) naquele que  deu-se a Si Mesmo para remissão dos pecados (Mat. 26:28) e (2) as pessoas (a igreja) que tem recebida Sua salvação. Assim o tema central do Segundo Testamento é salvação.” Charles Caldwell Ryrie, Estudo da Bíblia, Expandid, Edições Moody, p. 1498.

[8]J. Greshem Machen, O Segundo Testamento, Uma Introdução de Sua Literatura e História, editado por W. C. John, A Bandeira da Confiança da Verdade, Edinburgh, 1976, p. 16.

[9]Ver também o excelente comentário feito por Champlin, onde ele divide estes quatrocentos anos em quatro períodos bem definidos da história: 1) o período persa, 430-322 a.C.;  2) o período grego, 321-167 a.C.;  3) o período da independência (judaica), 167-63 a.C.; e 4) o período romano, 63 a.C. até Jesus Cristo.  Russell Norman Champlin, O Segundo Testamento Interpretado, Ed. Milenium, São Paulo, 1985, pp. 131-132.

[10] Vale a pena consultar o material organizado por McDowell sobre as profecias messiânicas do VT cumpridas integralmente no NT.  Josh McDowell, Evidência que Exige um Veredito, Ed. Candeia, São Paulo, 1989, pp. 181-224.

[11] “A esperança escatológica era a outra nota comum da fé de Israel.  Todos, desde os saduceus até os zelotes, guardavam a esperança messiânica, e criam fortemente que o dia chegaria em que Deus interferiria na história para reestrurar a Israel e cumprir suas promessas de um Reino de paz e justiça.  Alguns criam que seu dever estava em acelerar a chegada desse dia recorrendo às armas.  Outros diziam que tais coisas deviam deixar-se exclusivamente nas mãos de Deus.  Mas todos concordavam em sua visão dirigidas em direção ao futuro, quando se cumpririam as promessas de Deus.” [grifo meu] Justo L. Gonzales, A Era dos Mártires, v.1, Ed. Vida Nova, São Paulo, 1984, p.19.   Além desta esperança messiânica, os judeus contribuíram também: com sua fé monoteísta; seu sistema ético; sua literatura canônica do VT; sua filosofia da história e o surgimento da sinagoga.  Cairns faz um breve comentário de cada um destes pontos.  Earle E. Cairns, O Cristianismo Através dos Séculos, Ed. Vida Nova, São Paulo, 1984, pp.34-36.

[12] “É significativo que a língua Grega torna-se um, ao invés de muitos dialetos, no tempo que o domínio Romana predominou sobre o mundo. A língua espalhada por Alexandre, permaneceu mesmo depois da divisão do reino e penetrou em todas as esferas do mundo Romano. … Paulo escreveu a igreja em Roma em Grego, e Marcos Aurélio, o Imperador Romano, escreveu suas Meditações … no Grego. Esta era a língua não apenas da literatura, mas do comércio e do dia-a-dia cotidiano de todas as pessoas.”  A. T. Robertson, Uma Gramática do Segundo Testamento à Luz da Pesquisa Histórica, Ed. Broadman, Nashville, 1934, p. 54.  Cairns também destaca este ponto: “Assim como o inglês no mundo moderno e o latim no mundo medieval erudito, o grego tornou-se no mundo antigo, ao tempo em que o Império Romano apareceu, a língua universal.”  Earle e. Cairns, op. Cit., p. 32.

 

[13] Foi através deste dialeto do homem comum, conhecido como Koinê e diferente do grego clássico, que os cristãos foram capazes de se comunicar com os povos do mundo antigo, usando-o inclusive para escrever o seu Segundo Testamento, o mesmo fazendo os judeus de Alexandria para escrever o seu Velho Testamento, a Septuanginta.  Só recentemente se soube que o grego do Segundo Testamento era o grego do homem comum dos dias de Jesus Cristo, o que dá a diferença entre ele e o grego dos clássicos. … Esta descoberta deu origem ao surgimento de inúmeras traduções modernas.  Se o Evangelho foi escrito na língua do povo comum à época de sua produção, raciocinam os tradutores, deve ser colocado então na língua do homem comum de nossos dias.”  Earle E. Cairns, ibid., pp. 32-33.  OBS.:  Esta foi uma preocupação constante dos Reformadores do século XVI.

[14] “Os romanos, como nenhum outro povo até então, desenvolveram um sentido da unidade da espécie sob uma lei universal.  Este sentido da solidariedade do homem no Império criou um ambiente favorável à aceitação do Evangelho que proclamava a unidade da raça humana, baseada no fato de que todos os homens estavam sob a pena do pecado e no fato de que a todos era oferecida a salvação que os integra num organismo universal, a Igreja Cristã, o Corpo de Cristo.”  Earle E. Cairns, ibid., p. 29.  “A unidade administrativa do Império Romano, com as figuras dos seus magistrados, serviu admiravelmente à difusão do Evangelho. … A unidade, dando segurança e ordem favoreceu o trabalho dos Apóstolos.  São Paulo foi protegido pelos romanos contra os judeus.”  Teodorico Ballarini, v.1, Ed. Vozes, Petrópolis, 1974, p. 36.

[15] Merrill C. Tenney, Tempos do Segundo Testamento, Eerdmans, Rapids Grande, 1965, pp.107-108.  Temos em português uma excelente obra de MERRILL C. TENNEY, O Segundo Testamento – Sua Origem e Análise, Vida Nova, São Paulo, 1972.  Nesta obra ele aborda detalhadamente estes aspectos aqui resumidamente citados.

[16] Charles Caldwell Ryrie, op. cit., p.1500.

[17] “Canonicidade é o estudo que trata do reconhecimento e da compilação dos livros que nos foram dados por inspiração de Deus.”  Normam Geisler William Nix,  Introdução Bíblica – Como a Bíblia Chegou Até Nós,  Ed. Vida, São Paulo, 1997, p. 61. A definição de Tenney é instrutiva: “A palavra ‘cânon’ deriva do grego ‘jamom’, que significa ‘cana’, portanto uma vara ou barra, que, por serem utilizadas em medições, passaram a significar metaforicamente um padrão. Em gramática, significava uma regra; em cronologia, uma tabela de datas; e em literatura uma lista de obras que podiam ser corretamente atribuídas a determinado autor.” MERRILL C. TENNEY, Op. Cit., p.427.

[18] “Na época em que foram compostos os 27 escritos, eles ainda não eram ‘Escritura Sagrada’. … a Escritura Sagrada, para os autores do Segundo Testamento, era o Antigo Testamento. Quando introduzem citações pela formula: ‘para que se cumprisse o que está escrito’, não se referem senão ao Antigo Testamento.”  Oscar Cullmann,  A Formação do Segundo Testamento, Ed. Sinodal, São Leopoldo, 1979, p.113.  Normam Geisler faz uma breve diferenciação entre o processo de canonicidade do VT e do NT, conforme segue: “A história do cânon do Segundo Testamento difere da do Antigo em vários aspectos. Em primeiro lugar, visto que o cristianismo foi desde o começo religião internacional, não havia comunidade profética fechada que recebesse os livros inspirados e os coligisse em determinado lugar. Faziam‑se coleções aqui e ali, que se iam completando, logo no início da igreja; não há notícia, todavia, da existência oficial de uma entidade que controlasse os escritos inspirados. Por isso, o processo mediante o qual todos os escritos apostólicos se tornassem universalmente aceitos levou muitos séculos. Felizmente, dada a disponibilidade de textos, há mais manuscritos do cânon do Segundo Testamento que do Antigo.  Outra diferença entre a história do cânon do Antigo Testamento, em comparação com a do Novo, é que a partir do momento em que as discussões resultaram no reconhecimento dos 27 livros canônicos do Segundo Testamento, não mais houve movimentos dentro do cristianismo no sentido de acrescentar ou eliminar livros. 0 cânon do Segundo Testamento encontrou acordo geral no seio da igreja universal. Normam Geisler William Nix, op. cit., p. 99. [grifo meu]

[19] “A palavra cânon deriva do grego kanõn (“cana, régua”), que, por sua vez, se origina do hebraico kaneh, palavra do Antigo Testamento que significa “vara ou cana de medir” Ez 40.3). Mesmo em época anterior ao cristianismo, essa palavra era usada de modo mais amplo, com o sentido de padrão ou norma, além de cana ou unidade de medida. 0 Segundo Testamento emprega o termo em sentido figurado, referindo‑se a padrão ou regra de conduta (GI 6.16). … Nos primórdios do cristianismo, a palavra cânon significava “regra” de fé, ou escritos normativos (ou as Escrituras autorizadas). Por volta da época de Atanásio (c. 350), o conceito de cânon bíblico ou de Escrituras normativas já estava em desenvolvimento. A palavra cânon aplicava-se à Bíblia tanto no sentido ativo como no passivo. No sentido ativo, a Bíblia é o cânon pelo qual tudo o mais deve ser julgado. No sentido passivo, cânon significava a regra ou padrão pelo qual um escrito deveria ser julgado inspirado ou dotado de autoridade.” Normam Geisler William Nix, op. cit., pp. 61-62. [grifo meu].  Norman Geisler expõe muito bem os cinco critérios básicos, presentes neste processo como um todo: 1) O livro é autorizado – afirmar vir da parte de Deus?  2) É profético – foi escrito por um servo de Deus?  3) É digno de confiança – fala a verdade acerca de Deus, do homem, etc…?  4) É dinâmico – possui o poder de Deus que transforma vidas?  5) É aceito pelo povo de Deus para o qual foi originalmente escrito – é reconhecido como proveniente de Deus?  Ver o comentário de cada um destes critérios em sua obra. Normam Geisler William Nix, ibidim, pp. 66-71.

[20] Charles Caldwell Ryrie, ibid., p.1499.  Ainda segundo Cullmann: “A elaboração do cânone do Segundo Testamento foi, portanto, o fruto de um processo que, até a fixação final, estendeu-se sobre vários séculos.  Mas o fato decisivo é a aparição da idéia do cânone.  Este momento importante situa-se nas proximidades dos anos 140-150.  Então a Igreja reconheceu que ela sozinha não podia mais controlar as tradições que pululavam, e então submeteu toda a tradição a uma norma superior, a tradição apostólica, fixada em escritos determinados que, só esses, teriam valor canônico.  Eis porque o caráter apostólico atribuído, com ou sem razão, a um escrito não deixou de influir sobre a escolha que foi feita. … O apóstolo tem, na Igreja, uma função única que não se repete mais: ele é testemunha ocular.  Por conseguinte, somente os escritos tendo por autor um apóstolo ou discípulo de apóstolo, são reputados como garantia da pureza do testemunho cristão. … Essas discussões, sem dar-se por encerradas definitivamente, foram concluídas, a grosso modo, no Oriente (com exceção da Síria) e no Ocidente, pelo fim do século IV.  As datas decisivas são, para o Oriente, a 39ª carta Pascal de Atanásio, em 367, e para o Ocidente, o Sínodo de Roma de 382 e os Concílios africanos de Hipo (393) e de Cartago (397).” Oscar Cullmann, op. cit., pp. 115,117.  Para uma abordagem histórica ver também: Edgard J. Goodspeed,  Como nos Veio a Bíblia, Imprensa Metodista, São Paulo, 1981.  Tenney destaca que o ‘…verdadeiro critério da canonicidade é a inspiração.’; e ele demonstra em três princípios como esta inspiração pode ser demonstrada: primeiro – a inspiração destes documentos pode ser apoiada pelo seu conteúdo intrínseco; segundo – essa inspiração pode ser corroborada pelo seu efeito moral; e terceiro – o testemunho histórico da Igreja Cristã mostrará o valor que era dado a esses livros. MERRILL C. TENNEY, ibidim, pp.428-430.

[21] Normam Geisler William Nix, ibidim, pp. 105.

[22] Em sua excelente obra, Normam Geisler, destaca de forma breve algumas razões pelas quais estes livros foram questionados em sua canonicidade, até meados do século IV. Normam Geisler William Nix, ibidim, pp.115-118.

[23] Normam Geisler fornece uma relação extensa destas obras. Normam Geisler William Nix, ibidim, pp. 112-114.

[24] Normam Geisler William Nix, ibidim, p. 119.  Ver também a indicação de alguns destes livros, pp. 119-122.

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